22 de março de 2010

A bolsa brasileira segue rumo aos 85 mil pontos?

Valor Econômico


No início deste ano, eram - e ainda são - quase unânimes as vozes de especialistas do mercado prevendo que, em 2010, a bolsa brasileira seguiria em processo de alta e atingiria a pontuação de 80 mil a 85 mil no fim do ano, mesmo após a expressiva alta de 82,7% ocorrida em 2009.

Ao longo dos meus 32 anos de experiência profissional, pude verificar a grande dificuldade de se prever o comportamento das bolsas de valores. Notei que, ao checarmos as previsões efetuadas, ano após ano, a margem de acerto é bem baixa.

A previsão do comportamento das bolsas de valores é assunto que, sempre, gera muita polêmica, devido à sua alta volatilidade (grau de oscilação). Não é por acaso que o investimento no mercado acionário é considerado renda variável e não renda fixa, ou seja, o grau antecipado de acuidade sobre o valor a ser auferido pelo investidor é muito baixo.

Como em qualquer outra área, a unanimidade nas projeções deve sempre passar pelo filtro de análise crítica. Em primeiro lugar, devemos tomar como referência, como já mencionado, o baixo diferencial estatístico de acerto desses mesmos analistas de mercado em relação aos fatos reais no longo prazo. Só para exemplificar, veja os casos de 2008 e 2009, quando os erros de previsão para o Ibovespa foram imensos.

Não estou defendendo que simplesmente sejam ignoradas essas projeções. Aconselho apenas que a leitura dessas análises seja feita com cautela. E, no caso do mercado de ações, ao contrário de outros ativos, quanto menor o prazo, maior a dificuldade de previsão.

Em outras palavras, quanto maior o horizonte de análise, maior a probabilidade de o investimento em bolsa seguir o resultado das empresas em seus balanços. Vale lembrar que a bolsa de valores é extremamente sensível às oscilações do dia a dia da economia e dos humores dos participantes dos mercados, o que reforça a sua imprevisibilidade no curto prazo.

Nos acontecimentos mais recentes, vale questionar: por que o mercado não alertou, antecipadamente, sobre o problema do setor imobiliário americano e seus possíveis efeitos nos diversos mercados em 2008? Em 2009, por que não previram a forte recuperação da maioria dos mercados acionários ao redor do mundo? Por uma simples razão: normalmente, os profissionais não conseguem prever a ocorrência de fatos novos e reversões das tendências em curso. Continuam a prever sempre o rumo atual.

Se analisarmos pelo lado dos fundamentos econômicos veremos que as condições da economia brasileira e internacional apresentavam melhores perspectivas em maio de 2008, ápice do Ibovespa, com a máxima próxima dos 74 mil pontos, do que atualmente, quando estamos rondando os 70 mil pontos.

Naquele momento, as projeções de crescimento para o Brasil e a para a economia internacional eram bem melhores, além do que o comércio internacional trabalhava em níveis muito mais altos. Atualmente, os crescimentos previstos são bem mais modestos.

No caso especifico do Brasil, o crescimento de 2009 foi próximo a zero e as projeções para 2010 giram em torno de 5,0 a 6,0%, situação bem pior do que se projetava em maio de 2008; e o setor exportador brasileiro piorou dramaticamente desde então. O que sustenta a recuperação de nosso crescimento é o mercado interno, que vem mostrando força há muito tempo.

No lado internacional, a situação se deteriorou extremamente desde 2008, com a quase totalidade dos países em recessão importante e queda abrupta do comércio com o exterior. A grande exceção é a China que, graças também ao seu mercado interno, continua a crescer entre 8% e 10% ao ano; mas seria ingênuo acreditar que esse crescimento perdurará, sem nenhum percalço ao longo do caminho. Quem conhece os mecanismos de evolução do capitalismo sabe que isso é insustentável. Desse modo, períodos de contração das bolsas no futuro são bem prováveis de ocorrerem.

Embora o "momentum" do mercado, no curto prazo, ainda indique a continuidade do processo de alta, é importante manter a frieza ao avaliar o cenário. Vale a advertência ao investidor para manter a cautela ao participar do momento atual do mercado. E não se iludir com a unanimidade otimista que agora se instala e que pode lhe tirar a racionalidade, tão necessária, para a tomada das decisões de investimento.