7 de maio de 2010

Mercado em choque

Valor Econômico, 7 de maio de 2010.

O investidor deve se preparar para um novo período de instabilidade e fortes emoções. Ontem foi o melhor exemplo de como apenas os que tiverem nervos de aço devem se arriscar a acompanhar os mercados e seus choques no dia a dia. Ao ver o índice Dow Jones cair 9,16%, mesmo que por alguns minutos, até os mais experientes executivos de mercado não conseguiam esconder o espanto.

A queda de ontem teria sido agravada por um o erro de digitação em uma operação de venda de ações no mercado americano - bilhões no lugar de milhões de papéis -, o que teria provocado uma reação em cadeia de ordens de venda via computador. Mas, mesmo sem isso, a perda já teria sido expressiva, como mostraram os fechamentos dos índices mundiais.
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A questão é que há mais problemas para atormentar o mercado por um bom tempo. E não apenas a bolsa: juros e câmbio também. O dólar comercial fechou ontem a R$ 1,849 na venda, alta de 2,84% no dia e de 6,08% no ano. O Ibovespa caiu 2,31% no dia, para 63.414 pontos, acumulando perda de 7,54% em 2010. A tendência, dizem analistas, é de a bolsa continuar em níveis mais modestos e o dólar em alta por um período mais longo. Até ativos fora de moda, como o ouro, ganharam destaque no meio da incerteza. Ontem o grama do metal na BM&FBovespa subiu 5,40%, ampliando o ganho no ano para 19,34%.

As oscilações de ontem mostram o perigo dos sistemas eletrônicos na bolsa, diz um analista de mercado que pediu para não ser citado. "Mas isso não aconteceu do nada, o mercado já estava caindo, nervoso com risco para a Europa e isso levou a um acúmulo de ordens de venda e teria havido uma errada", diz. No Brasil, afirma, isso dificilmente aconteceria porque há limites de oscilação a partir dos quais os negócios param e a ação entra em leilão. Para os papéis que fazem parte das carteiras dos índices, esse limite é de 3%. Nos demais, é de 10% de queda.

Entre outros fatores que ajudaram a derrubar o mercado estariam as declarações do presidente do BC Europeu dizendo que não previa nova ajuda aos bancos da região e a reforma do sistema bancário americano, com a criação de novas taxas para as instituições.

O que está garantido é muita volatilidade daqui para frente, diz Marcelo Cabral, sócio e gestor da Neo Investimentos. "Talvez alguma autoridade fale algo amanhã e e tranquilize o mercado acenando com mais intervenções de ajuda, o que pode fazer as bolsas darem uma pancada para cima", diz. "As autoridades vão lutar para tentar segurar os ânimos, mas é preciso entender que o que está acontecendo não é um evento isolado, da crise da Grécia, nem pontual, é de longo prazo", diz.

Por conta disso, os gestores estão agindo com bastante cautela, evitando até as operações de curtíssimo prazo, em que compravam determinado ativo que caía para vender poucas horas depois. "Agora a ordem é reduzir os riscos, proteger o capital", afirma. A pressa em reduzir os riscos foi também um dos motivos da forte queda de ontem. "Houve muita venda de ativos, muita zeragem, incluindo nas operações de carry trade (venda de iene e compra de dólar ou outras moedas com juro mais alto)."

Para ele, vai ser difícil o Índice Bovespa voltar para os 70 mil pontos. "Essa turbulência é o reconhecimento de uma situação insustentável que o mercado ignorava, que é o subprime da dívida soberana dos governos".

Segundo Cabral, outros países já tiveram seus papéis fortemente afetados ontem, e isso deve continuar. "O que ocorreu foi que a crise de 2007 e 2008, das dívidas das pessoas, empresas e bancos, foi transferida para os governos, que se endividaram para socorrer todo mundo", diz o gestor. "A situação dos países desenvolvidos é muito parecida, só não se sabe se isso vai estourar este ano ou em 2011 ou 2012", diz.

A rapidez do movimento é o que mais surpreendeu, diz Rogério Bastos, sócio da FinPlan Consultoria e Gestão de Investimentos. "Em cerca de 15 minutos, o Dow Jones flutuou entre entre queda de 3% e 9%", diz ele, lembrando que movimentação similar ocorreu apenas na crise de 1987.

Segundo Bastos, o investidor que fez análise de seu perfil de risco e montou criteriosamente a carteira de investimentos deve manter a calma e não mexer em suas aplicações. O especulador deveria saber o que comprar, mas é um jogo arriscado, já que nada impede que a bolsa caia mais nos próximos dias e semanas. E a bolsa não está uma pechincha, como no ano passado, nos 30 mil pontos. "A gente está no meio de um movimento que é muito forte e perigoso, o mar não está para nadador amador", afirma Bastos.

Também não há pechinchas no mercado de câmbio. Não dá para dizer que o dólar entrou numa trajetória de alta capaz de proporcionar ganhos superiores a renda fixa. Tampouco espera-se que haja uma volta dos investidores ao real no curto prazo.

A crise na Europa também turva o horizonte no mercado de juros. O Banco Central (BC) subiu a Selic exclusivamente de olho na inflação, diz Bastos, mas a perspectiva de crescimento global menor pode respingar no Brasil afetando as expectativas de inflação e encurtando o ajuste . Isso levaria o juros a subir menos do que o esperado na abertura do ciclo de aperto.

É cedo para comprar bolsa, diz Alexandre Espírito Santo, da Way Investimentos, que vê o Ibovespa em trajetória de queda, com piso em 55 mil pontos. Ele recomenda que o investidor mantenha entre 20% e 30% do patrimônio aplicado em ouro, tradicional refúgio em momentos de crise. "É uma boa estratégia de diversificação para um período de grande instabilidade", afirma.

Em moedas, a recomendação é comprar dólar quando a taxa de câmbio estiver perto de R$ 1,80. O déficit em transações correntes, aliado ao menor apetite por emergentes, devem dar fôlego à moeda americana.

Espírito Santo acredita que o Banco Central não vai reduzir a extensão do aperto monetário em razão da crise grega. A atividade no Brasil não deve ser afetada como no fim de 2008, quando secaram as linhas de crédito para os bancos nacionais. O momento é de manter apostas pós-fixadas no mercado de juros.

Para o analista, o mercado estava surfando nos indicadores da economia americana em balanços positivos, sem dar a devida importância ao problema na Europa, cuja economia pode soçobrar com a crise das dívidas soberanas.